No último sábado, dia 27, estive em Brescia para conhecer a cidade e visitar a abertura da exposição de Sophie Ko Chkheidze, na A+B Contemporary Art. O trabalho de Sophie Ko é muito inspirador, pois repercute uma série de questões bastante contemporâneas, com destaque para a sobrevivência das imagens e os novos regimes cronotópicos agenciados pela arte contemporânea. Achei o texto disponibilizado pela galeria super bonito e bastante elucidativo da poética desenvolvida por Sophie Ko na série Geografie temporali. Enquanto não finalizo minha crítica da exposição, compartilho uma tradução ao português do take one (de autoria não identificada) da exposição.
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"Geografia Temporale (pala d'altare)" pigmento, 245x145cm, 2014. |
Pela primeira vez, o espaço da Galeria A+B
de Brescia é aberto para acolher uma exposição individual de Sophie Ko
Chkheidze (Tbilisi, 1981), artista georgiana que vive e trabalha em Milão. A
exposição é acompanhada do texto ad hoc
“Finis initium”, do filósofo Federico Ferrari, em 100 impressões numeradas, com
uma intervenção da artista sobre cada cópia.
Nesta individual de Sophie Ko apresenta-se
a Pala d’altare composta de três
painéis, a tetralogia Delle stelle fisse,
além de duas obras de pequenas dimensões intituladas Titani e Grembo. Todas
estas obras de Sophie Ko – exceto o Grembo, que é um resto não queimado – são Geografie temporali, ou seja, quadros
feitos de cinzas de imagens queimadas ou de pigmento puro que constituem o
resultado da reflexão da artista sobre as imagens. Há alguns anos, a obra de
Sophie Ko centra-se no significado das imagens na nossa vida, no seu valor para
o conhecimento, na relação entre imagem e tempo, entre imagem e memória, no
valor da imagem do passado. A Geografie
temporali, pela força expressiva e pela essencialidade da potencia
figurativa, entra em diálogo com os grandes mestres do Renascimento.
A cinza como metamorfose da imagem
As imagens vivem no tempo, não são
testemunhas silenciosas; as imagens desaparecem, retornando no tempo e
sobrevivendo ao tempo. As imagens trazem consigo um tempo próprio: as imagens falam
do tempo em que vivem, mostram-nos o seu desaparecimento, a sua resistência
dura ou mesmo um glorioso renascimento na fúria destrutiva da história. No
entanto o nosso tempo, como “sociedade do espetáculo”, impõe-se por uma
produção hipertrofiada de imagens e é, ao mesmo tempo, o mais cego deles,
incapaz de manter uma relação que possa ir além do mero consumo niilista de
imagens. Como escreve Federico Ferrari em Finis
initium “a cinza é o que resta, aquilo que nos resta” de toda a tradição de
imagens do passado. E como observa Ferrari, Pala
d’altare, Delle stelle fisse, Titani e
Grembo são comparáveis à nossa
relação comum com as imagens feitas de “niilismo passivo”, de incapacidade de
“conservar as próprias cinzas”, uma forma de pietas.
Uma pietas
pelas imagens
A Geografie
temporali, portanto, é uma forma de pietas
para com as imagens, em direção a nossa história, em direção ao nosso tempo. É
a partir destas cinzas – a partir deste nada a que se destina a vida das
imagens – que surgem no nosso tempo, que nasce a Geografie temporali, obra que toma forma a partir do resto não
queimado das imagens, das cinzas das imagens queimadas. Fogo e cinzas
testemunham a destruição das imagens e, ao mesmo tempo, são o que tornam
possível a existência da própria imagem. Do fogo nascem as imagens, as cinzas
das próprias imagens tornam-se o corpo e a alma de uma imagem ainda não vista,
cuja história ainda não está escrita, mas apenas iniciada. A Geografie temporali tenta parar o
instante em que a imagem do passado continua a arder, insiste em querer
exprimir um sentido, continua a viver, não obstante o consumo em série das
imagens, não obstante seu consumo sistemático. A queima da imagem é o que traz
a vida passada ao presente, é o crescimento da vida além de qualquer
destruição. O fogo é tanto a força destrutiva, quanto a capacidade de
resistência que a imagem testemunha pelo preço da própria vida. Assim, a Geografie temporali são novas imagens,
feitas de formas mutantes e móveis dos restos não queimados das imagens. As
cinzas das imagens queimadas são o fim de uma imagem, mas também um novo
começo: a matéria, a cor traça uma “iconografia do não visto” (F. Ferrari),
mais uma vez uma imagem que tem um significado para a vida, um retorno à
dimensão essencial e elementar da própria imagem. “Não há um fim possível, mas
apenas metamorfose sem fim”, observa Federico Ferrari, no texto que acompanha a
Geografie temporali.
Perder a durabilidade para ganhar peso
Esta metamorfose infinita das imagens vive
na Geografie temporali, que está em contínua e imperceptível
transformação. A Geografie temporali
é relógio, é clepsidra, símbolos caros à primeira natureza morta, à própria Vanitas, ao próprio Memento mori. Com o passar do tempo a composição do quadro muda, as
cinzas caem, o tempo marca sua passagem, mas o tempo que uma Geografie temporali mede com a própria
força de sua queda não é apenas o tempo da destruição, do exaurir da vida. A
simbologia a que a ampulheta remete, de fato, é dupla: de um lado indica o
inexorável terminar da vida, de outro concede ao homem o tempo da meditação, da
profundidade, da arte, do ócio; à medida que cresce a areia no fundo da ampola
inferior, assim a vida toma forma no seu escorrer, no seu relacionar-se com as
forças naturais sem se anular. A Geografia
temporali mostra-nos como o tempo perde durabilidade para ganhar peso.
Assim o sentido da imagem não se consome. A Geografie
temporali coloca em cena essa relação entre tempo e imagem feita de pressão
e de destruição do tempo sobre a imagem, mas também de formação, profundidade,
renascimento com respeito à fúria destruidora do tempo. A Geografie temporali traz à luz que as imagens não apenas estão
sujeitas ao tempo, mas marcam o tempo, dando a ele uma forma, conduzindo-o à
visibilidade, dando uma direção ao nosso olhar. Federico Ferrari escreve: “Um
espanto sem fim diante de um início que não para de iniciar, a cada instante,
aqui e agora, no esplendor da cor, na minhas palavras, nos teus olhos”.
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