quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Criminosos, até que se prove o contrário



Por volta de abril de 2009, recebi a notícia de que havia sido contemplado com uma bolsa de estudos da Comissão Européia para realizar um mestrado Erasmus Mundus, com lugar em três países europeus (Portugal, Espanha e Inglaterra). A notícia, evidentemente, me deixou muito feliz e, poderia até dizer, que me sentia reconhecido como pela Velha Europa. O que depois constatei que era uma grande ilusão, uma vez que há um divórcio entre os Estados Membros da UE em sua concretude institucional e os projetos desenvolvidos nas altas cúpulas européias.
Realizados os procedimentos de matrícula, internos ao programa de mestrado, meu primeiro encontro com o governo português, através do Consulado de Portugal no Rio, já prenunciava que o sentimento de prestígio não era mais que uma alucinação. Tudo correu normalmente. Quero dizer com isso que, até dar entrada no pedido de visto, perdi umas 3 ou 4 manhãs inteiras, eventualmente fui tratado com grosseria ou impaciência, e, entre a primeira visita e a última, nenhum documento substancialmente novo foi incorporado no meu processo. O visto me foi concedido a menos de quatro horas da partida do meu vôo Rio de Janeiro-Lisboa.
Já em Lisboa, era preciso ir ao SEF, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, um órgão policial com soberania investigativa, o que significa que não há nenhuma regra clara, nenhuma relação óbvia entre os documentos listados no site e os solicitados cara-a-cara. Na segunda visita à instituição, no Marques de Pombal, em dezembro passado, consegui resolver minha situação, depois de 8 horas de espera, sem água para beber (O policial me informou que isso não era problema deles, embora houvesse ali um filtro à secas). Tudo dentro da normalidade: demora e maus tratos.
Janeiro de 2010 e é chegada a hora de passar novamente por esses processos, normais, de quem viaja a estudo. Agora, no Consulado de Espanha em Lisboa. Dessa vez, foram 12 idas ao Consulado e atendimento em um guichê que exibia a ultrajante e emblemática placa “Cuidado, estou de mau humor”, além da venda estapafúrdia de fotocópias certificadas de todo o passaporte (inclusive páginas em branco), sem recibo e sem que eu jamais as tivesse em minhas mãos. Por acaso, uma amiga de Sérvia, do mesmo mestrado, com o mesmo funcionário, precisou pagar duas vezes pelo pedido de visto, pois ele não sabia que Santiago de Compostela era província de A Coruña, de modo que o pedido de minha amiga não chegou onde devia e foi rejeitado.
Recebi meu visto de Espanha quase duas semanas depois de iniciadas as aulas, fui à Polícia quando cheguei em Santiago de Compostela (desta vez, à Polícia propriamente dita), me registrei sem nenhum problema em cerca de 20 minutos (imagino que eles tenham criminosos mais perigosos que nós para maltratar).
Este ano foi preciso renovar a autorização de residência aqui em Lisboa e nada de extraordinário se passou. Desta vez, foram apenas 7 horas no CNAI (Centro Nacional de Apoio ao Imigrante), onde há até máquina de café. Ali, depois de uma funcionária, na triagem, me dizer que não aceitariam a carta da Comissão Européia informando da bolsa, pois estava em inglês (a mesma carta aceita sem problemas no ano anterior e, no fim das contas, também aceita este ano), uma funcionária me tratava com um misto desta arrogância já referida e de um tom infantilizante por eu ser estudante, pedia-me minhas notas e questionava o fato de eu ter feito apenas duas disciplinas, o que provém da estrutura mesma do mestrado (a qual eles desconhecem por completo). Deste modo, atualmente aguardo a chegada do meu novo cartão de residente e alguns documentos para dar entrada, no começo do ano, no meu pedido de visto pra a Inglaterra, onde termino meu mestrado.
Estas linhas, entretanto, foram desencadeadas por um telefonema, recebido agora de manhã, de um amigo brasileiro que fez o mesmo mestrado que eu e atualmente cursa o doutoramento em Lisboa. Hoje, ele viajou (pela hora, já deve ter ido) para o Brasil para passar as festas de fim de ano com a família. Ontem à noite, recebeu um telefonema do SEF que o intimava a comparecer no CNAI. Hoje, antes de seu vôo, esteve lá e era preciso assinar novamente um documento, segurando a caneta com mais força. Já no aeroporto, indo pra casa, precisou apresentar o cartão de residente. Como acaba de pedir a renovação, conta apenas com a fotocópia do antigo (coisa que eu nem tenho) e com os recibos do SEF. Ao comunicar isso ao policial, já abrindo a mochila para mostra-los, ouviu: “Mostra logo isso ou te levo preso por estar ilegal”.
A arrogância, truculência e inabalável soberania dos quadros responsáveis pelas emissões de visto e de autorizações de residência, junto ao movimento de criminalização da imigração, nos deixam duas possibilidades de toma de posição: A resignada, que consiste em “farei tudo o que eles mandarem, quantas vezes eles mandarem, até meu dinheiro acabar e, quando isso acontecer, volto pra casa”; ou a indignada, que consiste na resignada, mas que a torna pública.

Lisboa, dezembro de 2010

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