Apesar do tempo curto de apresentação (15 min. por conta de duas ausências, originalmente seriam 10), acho que conseguimos comunicar nossas idéias centrais de modo a criar um terreno propício ao debate. A questão debatida no painel que trago neste post é de fundo epistemológico e foi proposta por Tucherman: é preciso pensar em como analisar a imagem sem que a teoria funcione como uma muleta do pensamento. Como partir das imagens e usar a teoria sem subordinar tais imagens? Emblemática da necessidade de pensar esta questão é a quase-total ausência de imagens nas apresentações.
O trabalho que apresentei intitula-se A partilha do indizível ou notas para um elogio da ambivalência e, abaixo segue resumo, bibliografia e vídeos das imagens que analisei.
Procuramos
problematizar, a partir das noções de participação e
distanciamento, duas produções audiovisuais que abordam o tema da
guerra: o documentário Restrepo (2010), de Tim Hetherington e
Sebastian Junger e a vídeo-instalação Immersion (2009), de
Harun Farocki. Tais noções tornaram-se centrais no escrutínio das
relações entre estética e política ao longo do século XX, tendo
sido tematizadas por inúmeros autores, dentre os quais nos interessa
retomar Paul Ricoeur (1981), em sua revisão da hermenêutica de
Hans-Georg Gadamer, e Jacques Rancière, em Le Spectateur Émancipé
(2008). Diferentemente do
documentário de Hetherington e Junger, que pleiteia a abolição de
qualquer distância e reivindica a ida do espectador ao Vale
Korengal, Afeganistão, através de suas imagens; a vídeo instalação
de Farocki parece inserir o espectador em um lugar ambivalente, a
partir do qual a compreensão da relação entre os termos
participação e distanciamento segundo uma perspectiva lógica deixa
de fazer sentido.
De acordo com os diretores de Restrepo, a intenção do filme foi
capturar a experiência do combate, uma vez que, apesar da
dimensão política da Guerra do Afeganistão, os soldados
dificilmente assumem uma posição neste debate. Baseados neste
argumento, Hetherington e Junger concluem que devemos entender a
experiência desses soldados independentemente de nossas opiniões
políticas que, segundo eles, são um meio de evitar a realidade. Tal
argumento, entretanto, apresenta um problema fundamental: se, por um
lado, a imersão no Vale Korengal insere-se na contramão da mediação
da guerra através de imagens informáticas que apresentam os campos
de batalha traduzidos em um conjunto asséptico de informações,
como Georges Didi-Huberman (2009) criticou a respeito da cobertura
midiática da Guerra do Golfo, as imagens de Hetherington e Junger se
adequam perfeitamente à retórica do real sem mediação - um
real anterior e ontologicamente superior a toda e qualquer crença.
A vídeo-instalação de Harun Farocki não apresenta o campo de
batalha do mesmo modo que Restrepo. Immersion apresenta um workshop
com psicoterapeutas militares e civis em uma base do exército
americano. Farocki registra o tratamento, através de terapêuticas
de revivência que utilizam tecnologias de realidade virtual, dos
soldados que retornaram da Guerra do Iraque sofrendo de PTSD.
Tal terapêutica permite ao soldado-paciente, usando um headset,
dirigir um tanque ou andar pela cidade onde o evento traumático se
deu. Nas primeiras sessões, o terapeuta reduz a intensidade da
experiência original e conforme o soldado vai se habituando e
ficando mais confortável na revivência, novos elementos são
introduzidos na simulação. Vemos, em uma das telas de Immersion,
soldados usando headset e narrando, com maior ou menor
hesitação, a experiência que adquiriu autonomia sob a forma do
trauma; na outra tela, vemos o ambiente simulado do game terapêutico,
em sincronia com os movimentos que os soldados realizam na tela
adjacente. Desse modo, temos acesso aos soldados em terceira pessoa,
mas nosso ponto de vista simultaneamente coincide com o deles e vemos
as imagens do evento traumático simuladas no video game terapêutico.
A potência de Immersion parece residir justamente na brecha
aberta por (entre) essas duas telas. Pois se podemos acessar o
soldado enquanto “outro” que narra suas dores e mobilizar alguma
empatia nesta distância, o trauma revivido em primeira pessoa
através das gastas imagens dos jogos eletrônicos de guerra,
dificilmente mobilizam em nós novos pensamentos, ações e olhares.
É a dissimetria entre a banalidade de tais imagens e a dor que elas
provocam no soldado durante a terapia que nos permite intuir o
trauma. E talvez a intuição possua um caráter similar à
curiosidade e à atenção, afetos que Jacques Rancière (2008)
sagazmente apontou como alternativas ao desgastado afeto da
indignação pública.
Bibliografia
DIDI-HUBERMAN, G. “How to Open Your Eyes”. In: EHMANN, A.; ESHUN, K. (eds). Harun Farocki: Against What? Against Whom? London: Koenig Books and Raven Row, 2009. p. 38-50
EHMANN, A.; ESHUN, K. (eds). Harun Farocki: Against What? Against Whom? London: Koenig Books and Raven Row, 2009.
GADAMER, H.-G. Truth and Method. 2nd Edition. London: Sheed & Ward, 1989.
RANCIÈRE, J. La partage du sensible: esthétique et politique. Paris: La Fabrique Éditions, 2000.
__________. Le Spectateur Émancipé. Paris: La Fabrique Éditions, 2008.
RICOEUR, P. Hermeneutics and the Human Sciences: Essays on language, action and interpretation. Edited by John B. Thompson. Cambridge, Paris: Cambridge University Press, Editions de la Maison des Sciences de l'Homme, 1981.
YOUNG, A. The Harmony of Illusions: Inventing Post-Traumatic Stress Disorder.Princeton, New Jersey: Princeton University Press, 1995.
Nenhum comentário:
Postar um comentário